13.6.07

Paredes, anteparos, horizontes

Uma questão de olhar. Olhar para dentro, para fora, ao longe, o olhar dos outros. Tudo está no olhar. Na vida das cidades cada vez mais urbanas, a verticalização surge diante de nossos olhos. Cria problemas climáticos e faz o horizonte difícil. Quantos metros livres há em nossa frente? Sem uma parede. Sem um prédio. Sem uma tela. Sem um obstáculo físico.

Tão nocivos quanto os obstáculos físicos são os não físicos, meu amigo. Aquela vontade de agradar à tudo e à todos. Há um mundo de possibilidades e é impossível agarrar todas de uma vez. E o pior é quando acreditamos piamente que basta dar atenção a todas as alternativas que o resultado será a paz. Ai que nos enganamos. Aquele sentimento reprimido, a pressão de ter que agir, o medo e a obediência ficam invisíveis no turbilhão do cotidiano. Com o corpo atado nem o melhor e mais forte corredor sairá do lugar.

Mas esses obstáculos são invisíveis, ou imperceptíveis quando nossa essência, aquilo que realmente somos não vem à tona. E é por isso que precisamos desvendá-los. Saber os quais, quem, porquês e comos do que nos diz respeito. Se percebidos, o melhor remédio talvez seja a demolição apenas para desobstruir a passagem. Ou então aprende-se como desviar. Mas desviar o olhar nem sempre é a solução. É vital ter o olhar livre quando for visualizar o seu horizonte.

(...Por onde vou guiar
O olhar que não enxerga mais
Dá-me luz, ó Deus do tempo
Dá-me luz, ó Deus do tempo
Nesse momento menor
Pr'eu saber seu redor
A gente quer ver
O Horizonte distante...)


Com os entraves pela frente o horizonte fica nebuloso e não há espaço para elaborar planos. E planejar é traçar as metas, estratégias, agir e chegar ou não ao um resultado final, que nem sempre é o mais importante. Todo cuidado é pouco porque no planejamento desenfreado sem ação ‘o horizonte perde o infinito’ e nascem outros obstáculos: decepção, frustração. Trazer o horizonte para perto, para a realização, é tão saudável como o perigo de planejar o inviável – não estou falando dos sonhos.

Muitas vezes os obstáculos estão ali mesmo, dados na nossa realidade. Brutos demais para o ser quando fragilizado ter forças para derrubar. E tão importante como desobstruir é criar anteparos. Não é egoísmo pensar na própria proteção e ter atitude de afastar os raios que nos atingem e fazem o olhar se perder do foco principal, que é nossa essência, planos e horizonte. E como é prazeroso observar que criamos resistência e que o que incomodava não atinge mais, bate e volta. O olhar agora é para dentro.

Em alguns momentos os anteparos são provisórios. Quem nunca viu uma simples operação tapa-buraco nas ruas. Cerca-se o local a receber o serviço, que só é definitivamente liberado quando enfim for possível trafegar com segurança. Carregar tijolos, argamassa e cimento é trabalho dos mais pesados e não é para qualquer um mesmo. Identificar ‘os quereres’ então, nem se fale. Haja disposição e boa vontade para este desafio já lançado.

(...Infinitivamente pessoal, e eu querendo querer-te sem ter fim
E querendo te aprender o total do querer que há e do que não há em mim....”)


Umas das poucas certezas que temos é a escolha. Com convicção é melhor ainda. Diga sim, se sim. Não, se não. Depois, se depois. Não quero, se não quero. Ser, se é. "A sorte da gente é a gente que faz". Estar sereno é estar de bem com a vida. E não há no mundo expressão maior de paz interior que um sorrido bem dado, não é? E o sorriso depende sim de muitas coisas, mas sem os músculos, a cabeça e alma tranqüilos fica impossível. E por onde ele anda? Que tal um pouco mais de respeito ao compasso descompassado do seu coração. Ah... Não se esqueça! O coração é um músculo.

Olhar atento para fora e para dentro, meu amigo. Há que se zelar do ‘o universo ao meu redor’ e do’ infinito particular’. Ouvir um passarinho e não se sentir só. Ser porta-bandeira de si.


Esquadros
Adriana Calcanhotto

eu ando pelo mundo prestando atenção
em cores que eu não sei o nome
cores de almodóvar
cores de frida kahlo, cores
passeio pelo escuro
eu presto muita atenção no que meu irmão ouve
e como uma segunda pele, um calo, uma casca,
uma cápsula protetora
eu quero chegar antes
pra sinalizar o estar de cada coisa
filtrar seus graus
eu ando pelo mundo divertindo gente
chorando ao telefone
e vendo doer a fome nos meninos que têm fome

pela janela do quarto
pela janela do carro
pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
eu vejo tudo enquadrado
remoto controle

eu ando pelo mundo
e os automóveis correm para quê?
as crianças correm para onde?
transito entre dois lados de um lado
eu gosto de opostos
exponho o meu modo, me mostro
eu canto pra quem?

pela janela do quarto
pela janela do carro
pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
eu vejo tudo enquadrado
remoto controle

eu ando pelo mundo e meus amigos, cadê?
minha alegria, meu cansaço?
meu amor cadê você?
eu acordei
não tem ninguém ao lado

pela janela do quarto
pela janela do carro
pela tela, pela janela
(quem é ela, quem é ela?)
eu vejo tudo enquadrado
remoto controle