26.4.08

Boa noite!

Goodnight backpackers é o nome de um albergue em Lisboa. O turno da madrugada lá começa às 24h e a resposável em zelar pelo hostel até as 8h30 do dia seguinte é uma ucraniana. Deve ter 1,70 m e pouco de altura, cabelos loiros estilo chanel e muita história para contar somada a vontade de contar.

Carrega uma carência inerente a solidão do horário. Desembestava a falar, mesmo quando eu mirava meu olhar fixo e concentrado no computador concentrado. Para não parecer mal-educado acabava por dar trela. Mas no fundo minha curiosidade nas histórias que ela ofereceria. Um dia me faz levantar para provar que sabia aonde era São Paulo e mostrar a sua cidade natal, no interior da Ucrânia.

Ela fala o português de Portugal, um pouco de russo e a língua de seu país. Nasceu na antiga URSS e foi morar em Portugal porque se casou com um português. Juntos, o casal tem um filho de 14 anos. Ela casou-se com 20 e pela aparência o filho deve ter vindo logo depois da união.

Já faz sete anos que ela vive na terra de Cabral. E por falar nele, nas nossas conversas de fim de noite, ela mostras suas descobertas. Diz que na vida fez tudo ao contrário. Resignida-se. Reconhece que deveria ter seguido a ordem 'natural', ou moral e ter estudado primeiro, feito faculdade e aí sim casado. Reclama que ganha pouco. Além do albergue, ela tem outro trabalho durante o dia. O marido é pedreiro. "Se fosse na Ucrânia seria engenheiro, aqui é pedreiro", diz ela rindo. Uma risada de não-alegria.

Numa outra madrugada ela sussurrou: "já tenho passagem comprada para Ucrânia". Eu disse apenas "ah é?" Foi o suficiente para ela me explicar todas opções de preços para fazer a viagem, porque havia escolhido tal companhia e orgulhosa revelou: "eu achei tudo isso sem saber mexer direito na internet".

Está preser a concluir a reforma de uma casa na Ucrânia e não esconde a ansiedade em voltar para seu país.

O desejo é de vencer. O desejo é de Victoria.

16.4.08

Em cadeia

Uma mala com três bolsos e uma mochila com duas divisões. Eu precisava de cinco cadeados. A primeira alternativa era que os cinco equipamentos fossem de código e que fosse um modelo possível de alterar a senha.

Na primeira tentativa em uma grande rede de supermercados fui informado de que no estabelecimento não eram vendidos o tal objeto. Nem de código alterável, nem de código fixo, tampouco o tradicional com a chavinha.

O segundo passo foi um hipermercado. Para a minha surpresa a resposta foi igual a da loja anterior

Não é possível que eu não encontre um cadeado...Como não vendem isso em supermercado? Tem lanterna, durex, lápis, maçã, e cadeado não...
Desisti de supermercados e após algumas indicações voltei minha busca para os depósitos de material de construção.

Opa. Logo de primeira duas opções de cadeado com código. Observo, abro, fecho escolho um e aí me lembro de perguntar a vendedora. - É possível alterar o código? Não havia tecnologia suficiente para isso. Vejam que interessante. Eu teria algumas horas para decorar cinco códigos de 4 dígitos cada, e lembrar onde em que posição de cada mala cada um dos objetos estaria, além das senhas de banco, internet banking, e-mail, email2, webmail do trabalho1, webmail do trabalho2, cartão de credito1, cartão de credito2, um outro cartão X....Mais uma desistência..

Mas o pessoal desta loja era solicito e me encaminhou para o local onde não haveria erro. Era 17h50 e até onde consta o horário comercial na capital paulista vai até as 18h. Cheguei e nada. Nem cadeado tinha.

Fui andando pela rua e achei um mercadinho fuleiro. Já estavam recolhendo os varais, vassouras, baldes e entrei antes da porta passar. A história tem um fecho ou desfecho feliz. Encontrei meus cadeados. De código .Alteráveis.

ps: Em tempo. Estamos em quatro cadeados. A TAP estourou um já.

2.4.08

Trânsito, Joca e Adoniran


Perdi três horas no trânsito. Uma hora e quarenta minutos no trajeto do trabalho até um local só para assinar e dar entrada no pedido de um documento. Depois, mais uma hora e vinte minutos só para voltar. O calor de 35º, a lentidão e todos os carros ao redor trouxeram uma irritação fora do comum.

Indignado, eu olhava através das outras janelas em busca de alguma explicação nos rostos alheios. A única válvula de escape era a buzina, na vã esperança de um milagre que este elemento do carro traz embutido consigo. Era só mais barulho, mais raiva. O humor do dia foi contaminado e não tinha mais volta.

Neste dia eu deixei de ganhar três horas de alegria, porque esqueci a receita ensinada por um amigo: “o jeito é ver as coisas como uma grande piada e dar risada”. Eu ainda precisaria retirar o documento na semana seguinte, uma ótima oportunidade de me vingar do trânsito.

O dia chegou e eu já estava preparado para a missão que teria pela frente. Carros, muitos carros, sinais bem fechados, amarelos para o vermelho (na minha vez de passar), esmolas, fechadas, buzinas. Caos.

De dentro do carro mantinha a determinação do bom humor e o sorriso no rosto. Aliás, sozinho posso ter incomodado muita gente. Gente como eu na outra semana que olhava para o carro ao lado em busca de uma explicação e em vez de encontrar alguém nervoso viu um maluco rindo das letras de Zeca Pagodinho e as próprias loucuras.

O resultado foi um impulso para um dia bom. Cheguei atrasado e falante no escritório. Brinquei com todos da recepção até chegar a minha sala. Não será sempre assim, claro, mas em vez de xingar o trânsito e outras coisas chatas vou tentar cada vez mais me blindar de alegria e brindar a vida.

Agora, a mea-culpa politicamente correta e uma porção de dúvidas.

Meu desconforto veio por conta de uma situação que fugiu da minha rotina e eu não soube lidar. Eu demoro 15 minutos da minha casa até o local de trabalho (de carro). E lá mesmo onde trabalho há pessoas que levam três horas para ir e mais três para voltar.

Eu não deveria poder reclamar...
Ou posso?
E devo?
Eu me adaptaria a uma rotina em que gastaria no mínimo seis horas no transporte casa-trabalho-casa?
Em casos de sobrevivência sim?
E nos outros casos?
Será que Joca estava certo quando Adoniran Barbosa cantou: “Deus dá o frio conforme o cobertô”?