2.4.08

Trânsito, Joca e Adoniran


Perdi três horas no trânsito. Uma hora e quarenta minutos no trajeto do trabalho até um local só para assinar e dar entrada no pedido de um documento. Depois, mais uma hora e vinte minutos só para voltar. O calor de 35º, a lentidão e todos os carros ao redor trouxeram uma irritação fora do comum.

Indignado, eu olhava através das outras janelas em busca de alguma explicação nos rostos alheios. A única válvula de escape era a buzina, na vã esperança de um milagre que este elemento do carro traz embutido consigo. Era só mais barulho, mais raiva. O humor do dia foi contaminado e não tinha mais volta.

Neste dia eu deixei de ganhar três horas de alegria, porque esqueci a receita ensinada por um amigo: “o jeito é ver as coisas como uma grande piada e dar risada”. Eu ainda precisaria retirar o documento na semana seguinte, uma ótima oportunidade de me vingar do trânsito.

O dia chegou e eu já estava preparado para a missão que teria pela frente. Carros, muitos carros, sinais bem fechados, amarelos para o vermelho (na minha vez de passar), esmolas, fechadas, buzinas. Caos.

De dentro do carro mantinha a determinação do bom humor e o sorriso no rosto. Aliás, sozinho posso ter incomodado muita gente. Gente como eu na outra semana que olhava para o carro ao lado em busca de uma explicação e em vez de encontrar alguém nervoso viu um maluco rindo das letras de Zeca Pagodinho e as próprias loucuras.

O resultado foi um impulso para um dia bom. Cheguei atrasado e falante no escritório. Brinquei com todos da recepção até chegar a minha sala. Não será sempre assim, claro, mas em vez de xingar o trânsito e outras coisas chatas vou tentar cada vez mais me blindar de alegria e brindar a vida.

Agora, a mea-culpa politicamente correta e uma porção de dúvidas.

Meu desconforto veio por conta de uma situação que fugiu da minha rotina e eu não soube lidar. Eu demoro 15 minutos da minha casa até o local de trabalho (de carro). E lá mesmo onde trabalho há pessoas que levam três horas para ir e mais três para voltar.

Eu não deveria poder reclamar...
Ou posso?
E devo?
Eu me adaptaria a uma rotina em que gastaria no mínimo seis horas no transporte casa-trabalho-casa?
Em casos de sobrevivência sim?
E nos outros casos?
Será que Joca estava certo quando Adoniran Barbosa cantou: “Deus dá o frio conforme o cobertô”?