5.2.08

Partido-alto

A brincadeira é séria no Cacique de Ramos. Debaixo da famosa tamarineira surgiu o Fundo de Quintal e o samba partido-alto se inventou, reiventou e ganhou outros espaços. De lá a música ecoa com o carimbo dos valores inerentes as palavras comunidade e família. Para entrar na quadra do Cacique de Ramos não é preciso pagar nada e se sai de lá valendo muito mais.

Na roda, uma menininha aparentando no máximo 7 anos te sua vez e nao decepcionou. Com mais de 10 marmanjos tocando, a garota não se intimidou e todos ouvimos "Sem Compromisso" de Chico Buarque, no Cacique de Ramos.

Aquela cena ficou na memória. Fiz um exercício para relembrar as minhas primeiras memórias musicais. Não foi difícil cantarolar mentalemnte alguns comoo se eu ainda fosse criança. A música fez parte da minha casa desde sempre.

Já mais velho, passei a invejar os compositores. Da admiração surge um desejo sadio de querer compor, ter esse dom. Surge também uma pequena frustração porque o ofício não é simples. Seria o mais orgulhoso dos compositores se um dia criasse minha letra. Um samba bem fajuta eu me daria por satisfeito. Misturaira uns versinhos banais, um refrão e um "laialaiá" e teria o meu primeiro e único partido-alto.

Pela definição (ou basta uma breve observação) partido-alto "é um estilo de samba em que os participantes inventam os versos na hora em que estão cantando. É um gênero de cantoria e, por vezes, é também uma forma de desafio"

Refletindo sobre isso respirei aliviado. Afinal de contas é isso comecei a compor há 25 anos. Vida de improviso, jogo de cintura, sonho, desafios, começo, meio, fim e aquelas partes que se repetem, repetem.

Toda vida não passa de um partido-alto.

Ei você aí...Não venha dizer que não gosta de samba, pois já entrou na roda também...


Ofício (Paulo Cesar Pinheiro)

A música me ama
Ela me deixa fazê-la
A música é uma estrela
Deitada na minha cama

Ele me chega sem jeito
Quase sem eu perceber
Quando dou conta e vou ver
Ela já entrou no meu peito

No que ela entra a alma sai
Fica o meu corpo sem vida
Volta depois comovida
E eu nunca soube onde vai

Meu olho dana a brilhar
Meu dedo corre o papel
E a voz repete o cordel
Que se derrama do olhar

Quando termino meu canto
Depois de o bem repetir
Sinto-lhe aos poucos partir
Quebrando enfim todo o encanto

Fico algum tempo perdido
Até me recuperar
Quase sem acreditar
Se tudo teve sentido

A música parte e eu desperto
Pro mundo cruel que aí está
Com medo de ela não voltar
Mas ela está sempre por perto

Nada que existe é mais forte
E eu quero aprender-lhe a medida
De como compõe minha vida
Que é para compor minha morte